Rua da Fé

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Lendo os outros

O Vaticano sublinhou sempre o carácter pastoral e ecuménico desta última viagem de Bento XVI. Mas tudo o que o Papa faça tem consequências políticas, como sublinha Isabel Meirelles, no Jornal Económico, cuja viagem qualifica de um acto de grande coragem e diplomacia
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Com efeito, a deslocação do Papa pode ter duas leituras extraídas das suas próprias palavras, dado que o fez para "dialogar com a minoria ortodoxa do país e para deixar uma mensagem aos muçulmanos".
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Parece, assim, que este Papa que já se manifestou no passado contra a entrada da Turquia na União Europeia, sugere um retorno aos valores cristãos fundamentais numa aproximação declarada ao Patriarca Ecuménico Bartolomeu I, líder da igreja ortodoxa, com ambos a defender a reconciliação entre as duas igrejas selada numa declaração conjunta, na qual se refere a necessidade da completa reconstrução da unidade cristã, perante o crescendo de conflitos religiosos planetários.
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Este propósito foi explicado pelo Cardeal Walter Kasper, presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos que, em entrevista ao diário alemão Frankfurter Allgemeine, declarou que a visita devia funcionar como um sinal de que as Igrejas do Oriente e do Ocidente estão dispostas a prosseguir o caminho da sua aproximação, dado que os conflitos do mundo globalizado obrigam os cristãos a juntarem-se e a descobrir o que tem em comum, em contraposição ao mundo islâmico.
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Outra leitura desta visita seria a de ver nela um gesto de reconciliação entre a igreja católica e o mundo islâmico, vertida no simbolismo da visita à Mesquita Azul, a segunda feita na história do Vaticano, onde antes de entrar e rezar o Papa tirou os sapatos, seguindo simbolicamente o exemplo dos fiéis islâmicos, ao lado do seu chefe religioso Mustafa Cagrici.
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Henri kissinger defendia que uma das melhores escolas diplomáticas do mundo era a do Vaticano, sobretudo agora com Bento XVI que é, reconhecidamente, um hábil estratega da Fé Católica e da sua aplicação nos países mais distantes. Por isso, não é impossível que esta diplomacia sábia tentasse justamente num país como a Turquia, de maioria islâmica, aparentemente apaziguar os ânimos exaltados depois do discurso na universidade alemã, enquanto dá passos no sentido da reunificação cristã, numa visão maquiavélica que prevê reacções e manifestações violentas que levem a afastar, ainda mais, a possibilidade da entrada do País na União Europeia.