Rua da Fé

sábado, setembro 23, 2006

Pontes para o diálogo

A reboque da reacção mulçumana ao discurso de Bento XVI, a esquerda opinante não tardou em saltar a terreiro, acusando a religião de ser a causa de todas as guerras, e o Papa de incendiar ainda mais o conflito entre o Ocidente e o mundo mulçumano. Foram tantos que nem é preciso citar nomes. A par da defesa da liberdade, lá iam mandando umas farpas, que o Papa isto, que o Papa aquilo, que o Papa aqueloutro.
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Pois bem, lendo a entrevista dada por Yussef Saanei, "Ayatollah" iraniano de Qom, a António Rodrigues e Manuel Almeida da Lusa/DN, só alguém muito ignorante ou de má fé não perceberá que são os governantes, borrifando-se pura e simplesmente para a religião, quem se serve inteligentemente dela para fins estritamente políticos:
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Acha que a sua interpretação tem possibilidades de se impor no futuro?
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Enfrentamos muitas restrições e obrigações neste país; no entanto, as minhas palavras possuem muitos seguidores nas universidades e fora delas. Esse é o caminho que a história trilhará e a humanidade e o Irão, se Deus quiser, encontrarão esse caminho. Há dois dias disse a um jornalista do Washington Post: o ser humano chegou a um ponto em que odeia a guerra, a violência, os maus tratos de seres humanos e é muito diferente do homem do passado, porque já não pode viver com a falta de democracia e de liberdade.
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No entanto, no Irão há ainda uma grande falta de liberdade?
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Oficialmente e legalmente ainda demorará tempo. Se fosse no tempo do imã Khomeiny já tudo se teria cumprido, mas hoje, para chegar àquilo que defendo, ainda vamos demorar. É preciso ter em conta que, nas últimas presidenciais, Rafsanjani, um dos pilares da revolução, e o senhor Karubi, um mullah muito importante, foram derrotados por uma campanha eleitoral negativa, e o doutor Ahmadinejad conseguiu votos dessa forma. Ninguém poderia imaginar que Hashemi Rafsanjani não iria ganhar as eleições, mas foi tanta a propaganda negativa que no fim acabou mesmo por não conseguir. Esta opinião é partilhada por Rafsanjani, mas como este tem um cargo oficial muito importante no Governo não se atreve a expressá-la publicamente. Há algum tempo esteve em Qom e veio aqui a minha casa e eu aproveitei para lhe perguntar: "Antes, falava de uma forma muito mais aberta nas orações de sexta-feira, porque é que agora não denuncia isto?" E respondeu-me que não se atrevia a fazê-lo e que se sentia mal por isso.
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Toda a entrevista disponível aqui. De certeza que a sociedade livre e democrática a que se refere e almeja Yussef Saanei - ditada pelo Alcorão - é bem diferente daquela em que nos revemos, marcada pela cristianíssima máxima "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Mas não deixam de ser elucitadivas as divergências e as dificuldades de quem pensa diferente hoje no Irão. E é com estes interlocutores que deve ser feita a ponte para o diálogo.