Rua da Fé

quarta-feira, maio 10, 2006

A (in)utilidade actual da nossa direita.

Já escrevi e opinei sobre a matéria, mas os acontecimentos obrigam a retomar o tema. Fim-de-semana passado a direita foi a votos. Quando falo de direita incluo o PSD (com reticências), mas aqui só falarei do CDS-PP.

Mais uma vez, o que ficou foi a imagem de uma direita que carrega um fardo demasiado pesado. Demasiado pesado por três ordens de razões. Primeira de todas, porque em Portugal falta ganhar a batalha das mentalidades. Esta é a razão mais pesada e difícil. Não basta termos uma boa doutrina e julgarmos estar do lado certo. O importante é que, como sublinha Hayek em The Road to Serfdoom, as ideias exerçam influência na evolução dos acontecimentos. Para isso é preciso ganhar no campo das ideias, nos ambientes académicos, longe das querelas partidárias. É preciso desmontar o discurso do adversário. Ainda hoje persiste um emaranhado de ideias sobre a direita, contrárias até umas às outras (salazarista e retrógrada, que só governa para os ricos e poderosos) que é preciso desfazer.

Por outro lado, a direita de hoje não sabe rigorosamente o que quer. É verdade que vivemos num tempo de diluição ideológica. À esquerda não custa nada vir buscar algumas bandeiras à direita e vice-versa. No entanto, como é possível a esta direita propor algo importante ao país, um programa consistente e catalizador, bem fundamentado em estudos, se não sabe sequer se é democrata-cristã ou liberal, ou outra coisa qualquer? Por exemplo, fala-se em partido confessional. Mas quem ganha com isso? Será que os católicos estão proibidos de militar noutros partidos, e de pensar de modo diferente? Fala-se em sentido de responsabilidade. O que fizeram quando estiveram no poder?

Por fim, temos um problema de liderança e de gente à altura. Ou melhor, onde há liderança escasseiam as ideias, onde há ideias falta liderança. Quem fala hoje pela direita? Quem é capaz de gerar confiança e credibilidade? Não é com líderes em Bruxelas ou a querer um partido sexy que isto vai lá.

Como nos ensina Hans-Georg Gadamer em Verdade e Método, a autoridade não é algo que alguém imponha a outro só porque lhe apetece, pelo contrário, resulta de um acto de conhecimento do outro que reconhece em alguém o estatuto de autoridade. O mesmo se pode dizer da conquista no espaço eleitoral. Em democracia, nenhum partido chega ao poder se não receber esse reconhecimento do eleitorado. E isso só acontece apresentando um conjunto consolidado de ideias, propostas de governo precisas e pessoas técnica e politicamente preparadas.

Sem este trabalho de sapa e preparação, que exige tempo e paciência, a direita nunca se endireitará.