Rua da Fé

sexta-feira, junho 02, 2006

A tentação da razão

O João Miguel Tavares escreve hoje no DN um artigo entitulado Dan Brown VS Bento XVI mas que podia bem ser Razão VS Fé. O espantoso neste artigo é que reproduz aquilo que é conhecido como Racionalismo Construtivista. Descartes, ao defender que a dúvida metódica, aonde chegamos pela experiência do erro, é um instrumento necessário para se chegar ao conhecimento claro e distinto, e que tudo o que suscitar a menor dúvida deve se refutado, iniciou uma corrente de pensamento que só aceita como verdadeiro o que resistir à dúvida e se mostrar firme e de acordo com o princípio da indubitabilidade, isto é, tudo quanto estiver conforme ao conhecimento claro e distintamente deduzido e intuído.

Quais as implicações deste princípio? O que catalisa todas as soluções racionais-construtivistas é a crença comum num homem capaz de alterar as instituições da sociedade e da civilização à vontade, para satisfazer os seus desejos e caprichos, na medida em que foi quem as criou. A razão possui assim total poder para arquitectar as boas instituições, pois só o que resulta de deduções a partir de premissas explícitas, claras e distintas será válido e verdadeiro.

É isto que parece confortar João Miguel Tavares e permitiu a muitos antes dele rejeitarem como falsos os costumes, as práticas, tradições e tudo quanto, ainda que seja fonte e fundamento da validade das regras tradicionais da moral e do direito não se pode justificar pela razão.

O perigo deste poder da razão reside no facto de ser tão atractivo que cega, na medida em que não predispõe ao debate e ao confronto de argumentos, impede o reconhecimento do valor da experiência, obstruí o emergir de uma consciência crítica sobre os limites da razão.

Saberá o João Miguel Tavares que foi a partir das ideias do século XVIII, do poder da ciência, de nação e de revolução, a que o século XIX juntou a crença na vontade pura do homem, capaz de determinar a seu futuro, que se inventaram as ideologias que o século XX viu realizadas?

Ao escrever o que escreveu da forma como escreveu, João Miguel Tavares não percebeu rigorosamente nada do sentido e significado da passagem de Bento XVI por Auschwitz.