Rua da Fé

domingo, dezembro 24, 2006

A agonia do CDS/PP

Em hora de balanços, nada há a acrescentar a estes monstrinho de duas cabeças, como lhe chamou Ana Sá Lopes recentemente num artigo do DN, em que se transformou o CDS/PP.
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Lembro somente a minha posição sobre o assunto, publicada aqui em 21 de Março:
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O CDS/PP atravessa um perí­odo de convulsões internas. Quando o lí­der, em vez de dirigir o partido do Caldas (ou do Parlamento) fá-lo de Bruxelas, às sextas, sábados e domingos, há um claro défice de liderança. Mas mais profunda ainda É a luta entre qual das linhas de orientação ideológica, a centrista, mais democrata cristão, ou a popular, mais liberal, deve determinar as linhas programáticas do partido no futuro.
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Fazendo um retrospectiva desde Abril de 74, o que vemos é que o CDS, como partido de centro, nasceu para viver moribundo. Senão vejamos: 1) chegou tarde (foi o último partido a ser fundado), 2) foi corrido pelos outros dois partidos da esfera governativa, PS e PSD, do centro para a direita do espectro político, 3) os quais, ao longo do tempo, vez à vez, foram-se apropriando das grandes chaves que definem um partido Democrata Cristão da velha guarda, ocupando o centro, da esquerda à direita, não só fisicamente mas também ideologicamente. Em linhas gerais, muito do que defendia o CDS de há 30 anos defendem o PS e PSD hoje.
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Sabendo que a ocupação do espaço polí­tico já está definido, o que não dá grande margem de progresso a um partido de direita e muito menos à existência de dois, colocam-se as seguintes questões: vale a pena manter-se fiel aos princí­pios democrata-cristãos, ou interessa mais ter um partido que se defina sem rodeios de direita? Que partido e que direita interessam a Portugal?
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O partido de direita que falta em Portugal é um partido que não tenha medo de se assumir liberal, política, cívica e economicamente.Para isso, o CDS deve dar lugar a um PP liberal. E este passo tem de ser dado sem tibiezas, senão corre o risco de até isso lhe fugir, quando vivemos sob o governo mais liberal da história da III República.
Em 10 de Maio voltava à carga, dizendo qualquer coisa como isto:
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Mais uma vez, o que ficou foi a imagem de uma direita que carrega um fardo demasiado pesado. Demasiado pesado por três ordens de razões. Primeira de todas, porque em Portugal falta ganhar a batalha das mentalidades. Esta é a razão mais pesada e difícil. Não basta termos uma boa doutrina e julgarmos estar do lado certo. O importante é que, como sublinha Hayek em The Road to Serfdoom, as ideias exerçam influência na evolução dos acontecimentos. Para isso é preciso ganhar no campo das ideias, nos ambientes académicos, longe das querelas partidárias. É preciso desmontar o discurso do adversário. Ainda hoje persiste um emaranhado de ideias sobre a direita, contrárias até umas às outras (salazarista e retrógrada, que só governa para os ricos e poderosos) que é preciso desfazer.
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Por outro lado, a direita de hoje não sabe rigorosamente o que quer. É verdade que vivemos num tempo de diluição ideológica. À esquerda não custa nada vir buscar algumas bandeiras à direita e vice-versa. No entanto, como é possível a esta direita propor algo importante ao país, um programa consistente e catalizador, bem fundamentado em estudos, se não sabe sequer se é democrata-cristã ou liberal, ou outra coisa qualquer? Por exemplo, fala-se em partido confessional. Mas quem ganha com isso? Será que os católicos estão proibidos de militar noutros partidos, e de pensar de modo diferente? Fala-se em sentido de responsabilidade. O que fizeram quando estiveram no poder?
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Por fim, temos um problema de liderança e de gente à altura. Ou melhor, onde há liderança escasseiam as ideias, onde há ideias falta liderança. Quem fala hoje pela direita? Quem é capaz de gerar confiança e credibilidade? Não é com líderes em Bruxelas ou a querer um partido sexy que isto vai lá.
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Como nos ensina Hans-Georg Gadamer em Verdade e Método, a autoridade não é algo que alguém imponha a outro só porque lhe apetece, pelo contrário, resulta de um acto de conhecimento do outro que reconhece em alguém o estatuto de autoridade. O mesmo se pode dizer da conquista no espaço eleitoral. Em democracia, nenhum partido chega ao poder se não receber esse reconhecimento do eleitorado. E isso só acontece apresentando um conjunto consolidado de ideias, propostas de governo precisas e pessoas técnica e politicamente preparadas.
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Sem este trabalho de sapa e preparação, que exige tempo e paciência, a direita nunca se endireitará.
Desde então para cá, tudo piorou. Já é um bom sinal.