Rua da Fé

quarta-feira, abril 26, 2006

Porque valeu a pena o 25 de Abril.

Comemorámos mais um aniversário do 25 de Abril, data que cada ano ganha mais significado. Para mim, a sua importância não advém do facto de ter trazido para a Constituição a via socialista, nem sequer o modelo de Estado Social, como escreve Medeiros Ferreira na sua crónica no DN. Essa é daquelas botas que não sabemos como descalçar e pela qual estamos hoje a pagar um pesada factura.

François Furet em O passado de uma ilusão - ensaio sobre a ideia comunista do século XX, explica-nos como o Socialismo e o Fascismo, sendo inimigos declarados, são também inimigos cumplíces que para se enfrentarem, comungam das mesmas paixões - o nacionalismo e o anti-semitismo democrático -, e partilham os mesmos ódios - contra o burguês, a liberdade e o mercado.

É verdade que Salazar não foi fascista nem a via socialista que queriam para Portugal se assemelhou ao socialismo soviético. No entanto, nunca teríamos as liberdades cívicas e políticas que hoje usufruímos e longe estaríamos de um regime democrático de raíz liberal se o 25 de Abril não tivesse triunfado como sinónimo de Liberdade. Daí que não hesite em subescrever as palavras de Adelino Maltez quando nos lembra que um ano depois do 25 de Abril de 1974 aconteceu o 25 de Abril de 1975, o das eleições para a constituinte, desencandeando-se um processo complexo onde todos fomos autores e actores. O resultado é este péssimo regime, talvez o menos péssimo de todos os que temos tido. Apesar de tudo, ainda era capaz de o defender contra regressos autoritários ou vanguardismos revolucionários. De armas na mão, mais uma vez.

sexta-feira, abril 21, 2006

A triste figura de Berlusconi e a lição de Churchill.

Em Itália, os resultados eleitorais deixaram o país numa situação de governação muito difícil. Não porque tenha sido Prodi a ganhar, mas por a margem de vitória ser tão infíma. Sabendo como o espectro partidário italiano é uma autêntica manta de retalhos, não se adivinha nada fácil o concerto de vontades para acertar um programa de governo coerente e estável, o qual vai exigir muita negociação e cedência.

Apesar de tudo, pior ainda é a triste figura que Il Cavaliere anda a fazer. É nestas alturas que nos lembramos de gestos exemplares. Mesmo antes do final da II Grande Guerra, Sir Winston Churchill sofreu uma pesada e surpeendente derrota para os trabalhistas de Clement Atlee. Conta-se que o grande estadista recebeu esta notícia na hora do banho, num ambiente pesadissimo. Largando uma baforada do seu inseparável charuto, as suas primeiras palavras foram estas: É para isto que estamos a fazer a guerra.

A Democracia é, como diz Karl Popper, o regime que permite que os governos mudem sem violência, através de eleições em que os cidadãos elegem os novos governantes. São estes exemplos de saber ganhar e saber perder como o de Churchill que nos educam para a Democracia.

quarta-feira, abril 19, 2006

In Memoriam - Miguel Reale (1910-2006)

Quase passou despercebida mas vale a pena enfocar a sua memória e lembrar a sua obra. O Professor Miguel Reale, um dos maiores intelectuais de língua portuguesa do século XX, faleceu.
Aquando da sua visita ao Brasil em 1998, João Paulo II promoveu um encontro com intelectuais brasileiros, do qual Miguel Reale teve a honra de participar, como nos lembra o próprio:

Ousei formular-lhe [algumas indagações] brevemente, dado o adiantado da hora. A primeira decorria da compreensão da cultura como afirmação e desenvolvimento do valor da pessoa humana, por mim entendida como ?valor-fonte de todos os valores?, o que me parecia corresponder, em parte, ao ensinamento papal que acentuava a necessidade de um encontro entre a Igreja e a cultura em razão do homem, apresentado como ?ser-no-mundo? sujeito de desenvolvimento, para uma e para outra, mediante a palavra e a graça de Deus, o que subordinava a filosofia à teologia.
Isto posto, indagava eu da relação entre Cristianismo e ?cultura?, uma vez que esta, enquanto realização histórica de valores humanos, não pode deixar de ser relativa e contingente, ao passo que os valores cristãos são apresentados como eternos e absolutos, expressão da divindade de Cristo.
Em seguida, realcei o alto significado do discurso ouvido, no tocante à pluralidade das culturas, ?unificadas?, dissera o Pontífice, ?pelo respeito mútuo, pelo reconhecimento das peculiaridades culturais, pelo diálogo que enriquece a uns com os valores e as experiências dos outros?. Só podia enaltecer esse entendimento exigido pelo mundo atual, caracterizado pela diversidade e complementaridade de imensas áreas culturais, mas solicitava mais uma palavra elucidativa sobre o modo de ser de agir dos cristãos, não somente em relação às culturas diferentes da sua, mas perante as declaradamente anticristãs que ocupam tão largo espaço no cenário da civilização contemporânea.
Antes de referir-me à manifestação do Papa a propósito das cinco intervenções havidas, lembro que João Paulo II pediu vênia para responder em francês, por parecer-lhe que o seu conhecimento da ?rica e bela língua portuguesa? não lhe era ainda bastante para exprimir seu pensamento, ponderando, ainda, que, após um dia de tão fortes emoções, e ?àquela hora canônica? a sua vontade natural era a de falar polonês...
Com admirável domínio do idioma de Descartes, e com clareza deveras cartesiana, passou ele à análise das questões propostas, esclarecendo e completando o seu discurso. Ao calor daquelas palavras ditas de improviso, todos sentimos a força de um pensamento densa e concretamente vivido por uma das personalidades mais significativas de nosso século. Palavras francas e claras, sem subterfúgios obscuros ou máscaras do hermetismo.
No concernente à primeira de minhas indagações, disse-nos João Paulo II que, efetivamente, nenhuma cultura, nenhuma civilização, nem mesmo a cristã, logra realizar em sua plenitude todas as virtualidades do Cristianismo. Também ela é uma tentativa perene de realização dos valores que a transcendem, cabendo-nos, por isso, ter consciência de suas limitações históricas. O fato, porém, de o homem, como ser finito e livre que é, não poder atingir todo o significado escatológico da mensagem de Cristo, não nos impede de procurar viver em consonância com ela, o que somente poderá ser alcançado com dedicação e amor. Há nesse renovado esforço do homem, visando a realizar-se no sentido de Deus (procuro me lembrar das palavras papais com a maior fidelidade possível), um valor infinito, e nada deve impedir que essa tarefa se cumpra.
No concernente à segunda questão por mim oferecida, o Sumo Pontífice afirmou que a cultura cristã, em virtude de sua inevitável contingência histórica, não podia permanecer isolada, devendo abrir-se para todas as formas de civilização, sem receio de ?diálogo com outras culturas?, pois esse diálogo só poderá ser benéfico a umas e outras, ao serem percebidos os valores que elas têm em comum e os que as distinguem.

segunda-feira, abril 17, 2006

O caso francês e o definhamento da Europa.

Péssimas notícias de França. A morte anunciada do CPE, depois de dois meses de intensos protestos e de uma crise social e política agudas, representa a perda de legitimidade democrática do governo Villepin. Depois disso, só resta a demissão.

Mas estes acontecimentos revelam mais do que tudo o definhamento e a moleza com que os europeus passaram a encarar as suas vidas. 60 anos de prosperidade e paz deram nisto. A Europa deixou de actuar, e os europeus, acomodados a uma vida de bem-estar que nunca sentiram antes, tornaram-se reactivos contra tudo o que desestabilize o seu Status Quo. Vivemos convencidos de que o centro do mundo ainda mora aqui. Já não mora.

Depois do recuo francês e das eleições italianas, a Europa está mais ingovernável.

sexta-feira, abril 07, 2006

Um recado ao Ministro Santos Silva

Quando há tentações autoritárias num país começa por se regulamentar a imprensa, é sempre um sinal de uma vontade política que não é boa do ponto de vista da liberdade.
Manuel Maria Carrilho no DN de hoje.

quarta-feira, abril 05, 2006

Boas de Bruxelas

Para um federalista, é sempre bom poder dizer isto. Na verdade, a solicitação de Bruxelas ao Governo português para que renuncie à Golden Share é mais uma prova dos benefícios da nossa adesão à UE. Sem ela, dificilmente nos poríamos nos eixos.

As acções douradas que o Estado detém na PT (500), na REN ou na TAP, conferem-lhe poderes significativos de gestão e de definição de estratégia nestas empresas (poder de veto p.ex.) e é uma forma de intervencionismo que destrói valor na economia. Ao contrário do que defendeu o Ministro Mário Lino, ?que a golden share é uma das formas que o Estado tem de assegurar a defesa dos seus interesses numa empresa estratégica?, este poder especial serve mais ao Governo que ao Estado e não defende em nada os interesses dos consumidores, serve sim para satisfazer interesses individuais, nomeações clientelares de alguma elite, para usar como trunfo para arrancar contrapartidas noutros sectores e para neutralizar a aplicação de políticas económicas difíceis de justificar.

Como disse alguém, a Golden Share é a arma dos Governos fracos que têm medo de perder o poder doméstico. A posição de Bruxelas é boa por isto: obriga o Estado a pôr-se no sítio certo.

domingo, abril 02, 2006

Santo Subito (1920-2005)